A Inteligência Artificial (IA) é um tema cada vez mais relevante e presente em nosso cotidiano. Desde assistentes virtuais até carros autônomos, a tecnologia tem transformado vários setores, e o seu impacto na sociedade só tende a aumentar. Com o objetivo de esclarecer as principais dúvidas sobre o assunto, a AVMB entrevistou o professor de IA, Leonardo Ramos Emmendörfer.
Leonardo começou a aplicar Inteligência Artificial de forma profissional enquanto trabalhava na modelagem do comportamento de clientes de uma multinacional do setor bancário. Hoje, possui vasta experiência em pesquisas e projetos na área, formou-se em Engenharia da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG), é Mestre em Matemática pela Unijuí e Doutor em Métodos Numéricos pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Como você definiria a inteligência artificial e quais são as principais características que a diferenciam da inteligência humana?
Não é uma tarefa fácil definir a Inteligência Artificial (IA), até porque os mecanismos que geram a nossa inteligência, considerada “natural”, ainda não são completamente claros. Dificilmente se encontra uma definição de IA que seja muito rígida e precisa, que possa ser aceita por todos. Arrisco-me a dizer que cada pesquisador na área de IA tem sua forma específica de definir a área, conforme suas experiências e sua perspectiva. Para mim, a IA é uma área de estudo interdisciplinar que foca na capacidade das máquinas de executarem tarefas complexas, que demandam atributos como aprendizado ou criatividade, as quais costumamos atribuir aos seres humanos. Mas creio que, em breve, seremos capazes de definir a IA de uma forma mais objetiva, que prescinda dessa analogia com os seres humanos.
Ainda somos superiores em tarefas que exigem imaginação e criatividade. Em domínios específicos que envolvem grandes quantidades de dados em alta velocidade, a IA mostra-se mais vantajosa que a inteligência natural, muitas vezes. Entretanto, a IA vem superando os seres humanos em cada vez mais situações, recentemente.
Quais são as aplicações mais comuns da inteligência artificial atualmente?
A Inteligência Artificial vem sendo aplicada em tarefas nas quais se observa um ganho de escala, quando comparado à adoção de mão de obra humana. Na área de segurança, por exemplo, a IA pode ser adotada em biometria, para identificação e verificação de indivíduos com base em características únicas, como impressões digitais, leitura de íris, reconhecimento facial, entre outros. Nestes casos, além de permitir grande escala, a IA ajuda a melhorar a precisão e a velocidade da identificação e verificação. A segurança dos sistemas biométricos também pode ser melhorada usando IA, por meio da identificação de possíveis ataques de falsificação.
De um modo geral, tarefas repetitivas e cansativas, muitas vezes preteridas pelas pessoas por serem tarefas indesejáveis, são fortes candidatas para a utilização de IA. Por exemplo, sistemas autônomos para a direção de veículos já são uma realidade. Estes sistemas podem ser usados para interpretar dados oriundos de diversos sensores, como câmeras, radares, ou mesmo sensores a laser (LiDAR). Algoritmos de IA podem ser usados para detectar e classificar objetos nos arredores de um veículo, como outros carros, pedestres e obstáculos. Essas informações podem ser usadas para tomar decisões sobre como dirigir, frear ou acelerar o veículo para evitar colisões.
A IA está também muito presente na robótica, principalmente no processo de aprendizagem de máquina, o qual deve ser realizado para que os robôs possam interagir, de forma efetiva, com o mundo físico. Em um projeto recente, a robô DoRIS (Domestic Robotic Intelligent System), criada por alunos e professores dos cursos de Engenharia de Automação e Engenharia de Computação da UFSM, aprende a reconhecer e manifestar expressões de emoção, contribuindo com uma interação mais satisfatória entre os robôs e as pessoas.
Recentemente, um sistema de linguagem natural chamado ChatGPT, desenvolvido pela OpenAI, vem chamando a atenção do público. Sistemas de linguagem natural estão muito presentes em chatbots, assistentes de voz e também para tradução de idiomas.
Mas, finalmente, são os sistemas de recomendação que representam, na minha opinião, a área na qual a IA vem exercendo o maior impacto na vida das pessoas e também na sociedade. Estes sistemas baseados fornecem recomendações personalizadas aos usuários, com base em seu comportamento anterior e suas preferências. Os sistemas de recomendação podem ajudar os usuários a descobrir novos produtos, serviços e conteúdos de streaming. Já nas redes sociais estes algoritmos podem favorecer o engajamento e a formação de comunidades. Entretanto, estes mesmos mecanismos podem resultar na formação de "bolhas" nas quais os indivíduos em redes sociais permanecem relativamente isolados, com potenciais impactos negativos na sociedade.
Como a inteligência artificial e a automação estão relacionadas?
Acredito que a IA está se tornando uma tecnologia disruptiva na área de automação. Por exemplo, uma linha de produção pode incorporar IA para monitorar e otimizar o processo de forma automática. No contexto de Operação e Manutenção (O&M), algoritmos baseados em IA podem ser usados para analisar dados de sensores na linha de produção, como temperatura, pressão ou vibração, para identificar padrões e anomalias, de modo a detectar problemas e evitar paradas de produção.
Já no contexto do atendimento ao cliente, o processamento de linguagem natural (NLP) vem sendo muito útil. Com o NLP, uma empresa pode treinar um sistema de IA para entender e responder às perguntas dos clientes de maneira conversacional.
Como você vê a relação entre a inteligência artificial e a privacidade dos usuários? Há um equilíbrio adequado entre o uso de dados e a proteção da privacidade?
Esta é uma relação delicada. Por um lado, os sistemas de IA precisam de dados para que possam aprender e melhorar. Por outro, devem ser levadas também em conta questões importantes sobre privacidade e proteção de dados. Neste contexto, é importante o cuidado com informações confidenciais, como informações de saúde ou dados financeiros, bem como dados de identificação pessoal. Muitos investimentos vêm sendo feitos nessa área de segurança de dados, incluindo o uso criptografia e controles de acesso, e também com uso de tecnologias de rede como VPNs e SSL.
De fato, é um equilíbrio que deve ser buscado, entre disponibilidade dos dados de usuário e a privacidade. Acredito em soluções inovadoras que gerem incentivos aos usuários e atendam a ambos objetivos, de forma criativa.
Qual é o papel da inteligência artificial na economia global, e como ela pode ajudar a criar novos empregos e oportunidades de negócios?
As pesquisas e o desenvolvimento tecnológico em IA vêm recebendo grandes aportes de investimento. Os totais investidos globalmente na área crescem de forma consistente nos últimos anos e já atingem a casa das centenas de bilhões de dólares por ano. As instituições e indivíduos que estiverem preparados poderão participar e contribuir neste contexto. Um relatório de 2020 da consultoria McKinsey & Company revela que as startups baseadas em IA representaram cerca de 3% de todo o cenário global de startups. São muitas oportunidades, certamente, mas que só existem por conta do potencial transformador e de entregas satisfatórias.
Qual é a sua perspectiva em relação ao futuro da inteligência artificial? Quais são as principais oportunidades e desafios que você espera que a área enfrente nos próximos anos?
Apesar de ser uma área relativamente jovem, a AI já passou por alguns ciclos, por assim dizer. Seu início, nas décadas de 1950 e 1960, gerou muitas expectativas. Entretanto, como resultado de deficiências das primeiras arquiteturas de redes neurais, e também da pouca capacidade de processamento à época, a IA passou por um longo período de baixos investimentos. Desta forma, é relativamente supor que haverão outros ciclos no desenvolvimento da IA no futuro. O cenário atual é, novamente, otimista sobre o potencial da IA para melhorar a sociedade e nossas vidas, incluindo setores como saúde, educação e produtividade. Entretanto, os maiores desafios e dilemas encontram-se em questões relacionadas à ética e à privacidade. Nestas áreas haverão decisões importantes que teremos que tomar, não só enquanto indivíduos, mas também como sociedade. Até que ponto abriremos mão de uma parte de nossa privacidade, em nome de maior segurança e conforto? Quantas de nossas decisões serão delegadas à IA.
A IA está transformando nossa sociedade e nossas vidas, em uma proporção cada vez maior. Seu alcance definitivo é difícil de prever. Mas tenho certeza de que, neste momento, a IA conseguiu nos colocar a pensar.